Vagabundo Confesso

A Marcha pela Liberdade de Expressão de Florianópolis, cidade dividida em duas partes – uma na Ilha e outra no Continente – não apenas pelo mar, mas também pelos problemas de uma grande metrópole com uma administração provinciana, foi uma passeata sem bandeiras ou faixas de partidos ou sindicatos.
Eram  300 manifestantes na faixa etária dos 20 anos, vindos de várias tribos, entre elas, Centro de Mídia Independente (CMI), Movimento Zeitgeist Brasil, ativistas dos direitos dos animais, feministas, além, é claro, do Movimento Passe Livre (MPL) .

O MPL é um movimento urbano que luta por “um transporte público de verdade”, nascido na capital catarinense há quase uma década e hoje presente em muitas cidades do país, sendo  responsável por inúmeras manifestações políticas em Florianópolis.

“É uma manifestação importante convocada pelo Facebook” responde Diego La Torre, militante do PSTU, sobre a diferença em relação a outras manifestações. “A diferença, talvez, é que são manifestações mais espontâneas, movimentos mais relacionados à juventude”, explica.

A Marcha da Liberdade de Florianópolis foi convocada por ativistas, com a mesma data e local da Marcha das Vagabundas: dia 18 de junho, em frente à Catedral Metropolitana. Em função da “desautorização da Prefeitura Municipal sobre a ocupação do espaço público”, os organizadores da Marcha das Vagabundas decidiram alterar o local para o trapiche da avenida Beira Mar Norte, literalmente na última hora do dia 17.
“Nunca participei de nenhum movimento, mas estou sempre em manifestações”, declara  Ana Rita, 22 anos, aluna do curso de Ciências Sociais. Ana soube da Marcha pelos seus colegas de Faculdade. O motivo era “a questão do corpo da mulher”, e completa: “pelos direitos do nosso corpo.”
A Marcha florianopolitana percorreu toda a rua Tenente Silveira – que corta o centro da cidade em direção à Beira Mar -, para então encontrar a Marcha das Vadias. Quando a pororoca ativista estava prestes a acontecer na avenida, as marchas voltam a se separar. O motivo: várias manifestantes da Marcha das Vagabundas continuaram a andar sobre a calçada, enquanto a maior parte dos militantes da Marcha da Liberdade começou a tomar conta da avenida, interrompendo o trânsito.

“Acho importante a Marcha das Vagabundas, no sentido de pautar a questão do corpo das mulheres. A autodeterminação do corpo é uma pauta feminista”, declara Flora Lorena militante do MPL-Florianópolis.

Após vários apelos da maior parte dos manifestantes, que passaram a seguir pelo meio da avenida, o restante das participantes da Marcha das Vagabundas, que estava na calçada, decidiu-se finalmente por sair da linha.

A falta de condução da massa era revelada a todo o instante, seja na deformidade da caminhada da multidão, que ora apressava, ora atrasava o passo, no uso do megafone, que era usado para emitir “fora militares” e outras palavras de ordem com mais de 30 anos, puxadas por garotos.

“Assassinos!” gritam os manifestantes ao passar na frente do Mc Donalds.

Todo esse “amadorismo” era consciente entre a maioria das pessoas, que pareciam não se incomodar com o fato. Pelo contrário, pareciam divertir-se.  Diversão que durou até o momento a aproximava maior da Polícia.

Na maior parte do tempo, acompanhei a manifestação na frente das primeiras faixas, o que talvez explique a abordagem de um policial que sai da viatura me perguntando “Você é o líder?”. “Sou imprensa”, respondo. “Acho que não tem líder aí não…” comento com o policial, que se volta para uma das garotas que segura uma faixa e fala: “Quem não sair da avenida será preso”. A informação se espalha rapidamente entre os manifestantes. Alguns decidem continuar pela calçada, mas a maioria continua seguindo pela avenida com a companhia de viaturas, que influenciavam na direção da marcha da mesma forma que um tubarão influencia um cardume de sardinhas.

“Eu gosto de participar das coisas que fazem sentido para mim”, declara Fábio Vaccaro de Carvalho, 21 anos, estudante de engenharia ambiental, que viajou de Balneário Camboriú (87 km de Florianópolis) para participar da Marcha da Liberdade. Fábio é vegetariano, contra a manipulação da mídia, código florestal e a Usina Belo Monte. E, claro, a favor dos direitos dos animais.

A Marcha da Liberdade & Vagabundas interrompe parte do trânsito na Avenida Beira Mar. Carros são impedidos de sair de dentro dos metros quadrados mais caros da região sul do país, mesmo que por pouco tempo. O bloqueio é o suficiente para que a motorista, saída de uma das garagens, fizesse questão de mostrar sua expressão entojada.
Classe média sofre.

“Assassinos!” repetem os manifestantes ao passar pela frente de uma Churrascaria. O gordinho lá dentro faz questão de gargalhar na janela.
Após um quase-conflito com os policiais, que interromperam a Marcha para evitar que ela chegasse ao seu objetivo (a casa do Governador Raimundo Colombo), os manifestantes chegaram até lá pela calçada, promovendo uma catarse de palavras de ordem e manifestações artísticas em frente à residência oficial.
Uma atriz grita: “existe uma coisa que não se discute: não se discute democracia”. As outras atrizes correm e enchem a boca da menina de pão. Na sequência, outra atriz grita a mesma frase, dando continuidade ao ciclo.
“Eu estou aqui porque acho que devo estar”, responde Vânia Miller, 51 anos. “Pelo que fizeram os jovens na Espanha, recentemente; pelo que fizeram os jovens no Egito, depondo uma ditadura de muito tempo… É a minha forma de aplaudi-los”, acrescenta Vânia, que acompanhou a marcha toda de bicicleta, para “não sair de carro” . E complementa: “Eu fico emocionada com o que aconteceu, com a marcha de São Paulo… As pessoas foram reprimidas e receberam tanta violência, como na Síria e a Líbia, que continuam sofrendo.”A Marcha da Liberdade chegou ao conhecimento de Vânia Miller pela mídia comercial. “Nós temos que usar melhor as ferramentas da comunicação global, para mostrar que as pessoas de outros lugares do planeta aplaudem qualquer manifestação em prol da democracia irrestrita.”

Vânia trabalha no departamento de música da UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina, onde procura desenvolver nos alunos “uma consciência politica”.

Cartaz com a inscrição “sou vagabundo eu confesso” nas mãos de um manifestante da edição florianopolitana da Marcha pela Liberdade. Provável referência à música “Vagabundo Confesso”, da banda Dazaranha. Trilha sonora bem apropriada para uma cidade que tem cada vez mais a perder pela inércia dos “vagabundos”, que não trocam uma tarde de sol na praia por uma tarde caminhando com outro tipo de “vagabundos”, que querem impedir que estas mesmas praias tornem-se esgotos.

Texto e fotos: Thiago Skárnio
Colaboração: Luciane Zuê

Florianópolis/SC, 22 de Junho de 2011.

Texto publicado originalmente no SARCASTiCOcomBR: http://bau.sarcastico.com.br/index.php?mod=pagina&id=12036

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